quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Um tempo ausente


A minha bisavó teria feito 106 anos caso fosse viva no passado dia 14 de Dezembro.

Recordo-a com o carinho que gostaria o meu filho me recordasse, um dia mais tarde quando eu já não estiver presente na vida dele.

Recordo com grande emoção as histórias que me contava, à noite antes de dormirmos no quarto que partilhávamos, quando eu lhe pedia para me “contar a história da vida” dela. Uma história feita de risos entre irmãos que partilhavam as agruras de uma vida feita de pequenos nadas, de pessoas diferentes dos seus pares, que nasceram muito antes do tempo em que poderiam ter sido entendidos, de maridos sindicalistas que fugiam à PIDE trepando telhados. De filhos vivos e mortos, que lhe alegravam a vida e lhe deram alento quando cedo perdeu o homem que amava. Uma mulher à frente do seu tempo, que aos 18 anos deixou a casa dos pais para ir viver com o amor da sua vida, com quem casou passados 20 anos para que o filho mais velho pudesse casar pela igreja.

A minha bisavó, foi quem me criou e amou tanto quanto o meu pai e a minha mãe, ou talvez mais ainda porque a idade lhe retirava a ansiedade da educação, podendo assim desfrutar de mim sem receios.

Durante o dia na escola, sabia que ia para casa dela depois das aulas terminarem e que estaríamos as duas nas tardes frescas de Verão sentadas no degrau da escada que dava para a entrada do prédio, eu brincava com os meus amigos e ela vigiava-me enquanto conversava com as amigas dela.

Depois de jantar, já com os meus pais via-se a televisão, as telenovelas brasileiras, os jogos sem fronteiras, o festival da canção, o Natal dos Hospitais, tudo sempre na companhia da vizinha do lado a Dona Augusta – que dormia todo o tempo, mas quando eu a acordava numa traquinice de menina, dizia sempre que estava a ver - ou da vizinha Mariana, que diziam não se “davam” com os filhos, eu deitava-me no chão, debaixo da mesa, para ter uma perspectiva mais frontal, ou enrolava-me no sofá. Nos dias frios de Inverno, quando não se podia “apanhar a fresca”, ficava em casa e via a Abelha Maia, o Marco e a Pipi das Meias Altas.

Hoje em honra à minha bisavó meu filho vai para a praceta brincar com os amigos enquanto que eu e o pai o vigiamos e conversamos com os pais dos amigos dele, sem receios de se poder magoar a jogar à bola, acho que aprendi com a bábá Zé a não ser uma mãe muito ansiosa, acho mesmo que há quem me critique por não ter muitos medos. Hoje em honra à minha bisavó o meu filho partilha connosco a única televisão da casa, onde gosta de ver os programas preferidos dele, o Pocoyo e o Noddy, além de gostar de ver também desde muito pequeno jogos de futebol e corridas de automóveis.

Sei que a minha avó Maria Zé zela por mim, porque há precisamente 11 anos, no dia em que ela faria 95 anos – 3 anos depois de falecer – tive um acidente de viação muito grave, pode ter sido coincidência ou não, mas a verdade é que me senti protegida pela sua mão, pelo seu carinho e amor.

Hoje recordo-a com o carinho que gostaria o meu filho me recordasse.

2 comentários:

Rafeiro Perfumado disse...

Que texto maravilhoso, jove... tenho a certeza que o teu filho vai ter essa lembrança, quem escreve assim certamente transmite muito amor ao seu rebento.

Um beijo e bom Natal!

Gata2000 disse...

Obrigado doggy! Bom Natal para ti também e para a tua jove! Beijinhos