segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A carta que nunca te escrevi


Soube desde o primeiro dia em que te vi que serias meu! Meu amigo, meu confidente, meu amante, namorado e marido. Escolhi-te para pai do meu filho, aquele que sabia um dia ser nosso.

Os românticos dirão que foi amor à primeira vista, os cínicos refutaram que tal não existe.

Durante um ano vi-te com outra pessoa e tu a mim. Aproximámo-nos da forma mais pura, tornámo-nos amigos.

Durante um ano e sem o saber seduzi-te com palavras e olhares, conversas de mundos distantes onde nunca estive, mas que gostava de conhecer. De outros tantos que aprendi a gostar pelos pormenores: uma ruela escura em Barcelona que escondia um bar recôndito com guitarras flamencas e vozes roucas de cigarros e álcool; os vasos floridos das varandas vienenses; as praias de pedra-pomes e águas tépidas de enfroxe ao sul da Sicília.

Seduzi-te durante um ano sem dar por isso, por entre conversas filosóficas e teorias da conspiração.

Durante um ano entreguei-me a outros braços, a outra boca que me beijava e dizia amar-me, a outro corpo que eu amava sem perceber o engano. E enganei, e trai, trai-me! Trai-me nos valores e nas convicções, sem saber que afinal era a ti que amava e a ti que procurava encontrar nos braços e nos corpos dos outros.

Tudo mudou no dia em que percebi que afinal o amor aparece em qualquer lado, mesmo nos locais em que não o esperamos, mas que lá no fundo do nosso ser sempre o soubemos.

Tentei lembrar-me da primeira vez em que me entreguei a ti de corpo, a alma já a tinhas desde aquela noite na tasca a cheirar a bifanas em que nos conhecemos, sem que eu tivesse dado por isso. Não me lembro do fogo que me queimava a pele de cada vez que me tocavas, nem dos calafrios que me percorriam o corpo ao sussurrares que me amavas. Não me lembro da tua língua a procurar a minha, das nossas roupas no chão.

Não me lembro do êxtase de me vir, nem do desengano a que me deixei submeter nos segundos seguintes. Não me lembro dos nossos corpos suados, unos, fundidos num só, nem de estremecer de prazer enquanto a tua boca me percorria o corpo.


Preocupei-me de ter esquecido, mas depois percebi a razão. A nossa primeira vez é reinventada a cada noite em que fazemos amor, em que o sexo nos leva à loucura de sermos amados de novo em cada entrega.

Soube da primeira vez que te vi que serias meu. Sei agora que o serás para sempre, nas conversas banais, na rotina dos nossos dias, nos olhares que nos tornam cúmplices, nas meias palavras e na vida que construímos juntos.

14 de Fevereiro de 2008

2 comentários:

Rafeiro Perfumado disse...

Não há amor mais forte do que aquele que nasce duma amizade sólida, pois os amantes têm de ser, antes do mais, amigos. Beijo!

Gata2000 disse...

Ah pois é, e mesmo assim...se é difícil mantê-lo!