terça-feira, 18 de agosto de 2009

O livro do mês

" Ao escutar o violoncelo fluido e sóbrio de Fournier, Hoshino sentiu-se transportado até à sua infância. Costumava ir até ao rio apanhar peixe todos os dias. Nessa altura, não tinha de se preocupar com nada. Vivia um dia de cada vez. só o simples facto de estar vivo, já era qualquer coisa. Era assim que as coisas se passavam, e ainda bem. Mas algures no caminho algo tinha começado a mudar. A vida levara-o a transformar-se em nada. Esquisito...As pessoas vêm ao mundo para viver, não é verdade? Mas, no caso dele, quanto mais vivia mais sentia que estava a perder o que tinha dentro de si - até acabar por se tornar vazio. Quase apostava que, quanto mais anos vivesse, mais vazio e destituído de valor corria o risco de se tornar.

Sozinho no meio da floresta cerrada, a pessoa que eu sou sente-se vazia, terrivelmente vazia. Oshima costumava chamar-lhes "homens vazios". Pois bem, foi nisso que me transformei. Existe um vazio dentro de mim, um espaço em branco que se expande lentamente e ameaça devorar o que resta de mim. Consigo ouvir o barulho que faz. Estou completamente a leste, sinto a minha identidade a desmoronar-se. Perdi o norte, não sei onde fica o céu nem a terra.

Se ao menos fosse capaz de acabar com a minha existência, aqui e agora. Penso seriamente nessa hipótese. no meio desta espessa muralha de árvores, neste caminho que é um caminho, se deixasse de respirar a minha consciência enterrar-se-ia em silêncio no meio das trevas, cada gota do meu sangue negro e violento derramado, deixando o meu ADN a apodrecer no meio das ervas daninhas. E então a minha batalha chegaria ao fim."


Kafka à beira-mar

Haruki Murakami

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