Tudo em Portugal gira à volta da comida, não sei bem explicar a razão, mas a verdade é que me parece fazer parte da condição de ser Português.
Os negócios são fechados ao almoço, ao jantar e até já ouvi falar de pequenos-almoços logo pela fresca à 8 da matina que há gente que não gosta de iniciar o dia de barriga vazia.
Muitas das memórias que retemos da infância estão relacionadas com os odores das iguarias preparadas nas cozinhas das nossas avós, como o arroz doce que só de lembrar dá água na boca ou a roupa velha que a minha bisa sabia fazer como ninguém, e os chocos com tinta que ela tinha a distinta paciência de fazer apenas para nós as duas.
As reuniões de familia são feitas à volta da mesa, aliás nem as ponderamos de outra forma, se não estendemos o convite para o almoço ou jantar aos familiares, certamente o faremos ao lanche, com uma mesa farta cheia de um nunca mais acabar de bolos, pão, fiambre, queijos, doces, chás, café e laranjadas que vão sobrar em quantidades industriais e que vamos ter de andar a emborcar durante semanas para ver se não acaba tudo no lixo, desperdiçado.
Á volta da mesa nestas reuniões de familia, se nos dermos ao trabalho de ouvir as conversas paralelas compreendemos que elas se prendem quase sempre com a mão da cozinheira, a troca das receitas, a quantidade do sal ou do açucar que foram necessários para tornar tão perfeitamente inesquecivel o repasto.
O Natal por exemplo, deixou de ser uma festividade religiosa há já muito tempo, poucas são as familias que o fazem por convicção mas antes pela oportunidade de a familia se juntar e comer, o bacalhau, o perú, os fritos que deixam pela casa um aroma inconfundível de pertença e raízes, seja as filhoses, os sonhos ou as fatias douradas que uma vez mais me trazem à lembrança a cozinha da minha avó.
A Páscoa, é uma vez mais uma boa desculpa para o cabrito juntar à mesa os convivas que queremos ter por perto, as pessoas que amamos e que queremos por perto.
Os amigos, quando os convidamos para a nossa casa, os que lhes fazemos? Damos-lhes um banquete nem que tenha sido apenas o convite para um café.
E quando falamos em viajar, num vá para fora cá dentro, fazemo-lo normalmente pelo estomâgo, fazemos uma visita ao Porto e comemos uma francesinha, se vamos à Bairrada um leitão, em Portimão não podem faltar as sardinhas nem as sopas de pão no Alentejo, o cozido das furnas nos Açores e as espetadas na Madeira.
Mas o que vamos fazer agora que a crise nos bateu à porta? Deixamos de convidar os amigos para as refeições e passamos a condivar apenas para o café com a desculpa que não tivemos tempo de fazer os bolinhos e que os da loja tinham mau aspecto? Ou partimos para a agressão, dizendo vens cá mas pagas 5 euros por pessoa para compensar o gasto? A minha última opção é informar os convidados que para virem trazem os vinhos, os sumos e as sobremesas, de forma a poderem comparticipar a despesa.
O mundo mudou, e os nossos hábitos, será que esses também vão mudar?
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