quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Work in progress




Não sei bem se sou crente, agnóstica ou completamente desprovida de fé, mas lembro-me bem de todas as vezes que me insurgi ou agradeci a Deus.

Passei bastante tempo da minha vida convivendo com Deus sem grandes questões, disseram-me que ele existia quando era pequena, e nessa altura acreditei, enquanto crescia houve alturas em que o encarei como dogma, outras houve em que o questionei, até porque qualquer uma das posições me era não só familiar como até mesmo pacífica, a minha mãe é crente, o meu pai nunca o foi.

Tive catequese e fiz até a primeira comunhão, depois disso poucas foram as vezes que voltei a uma missa, o que não quer dizer que não encontre paz numa igreja, em particular numa pequena capela a que recorro quando preciso de tempo, espaço e até de chorar, tal e qual o faço em frente ao mar, são os meus refúgios, embora esteja em crer que isso pouco tem que ver com o facto de ser uma igreja.

Mas quando tinha 19 anos o meu mundo desabou, a minha bisavó morreu e com ela senti que tinha perdido uma parte do meu passado, que se me tivessem arrancado um braço ou uma perna a sensação seria a mesma, que o mundo não ia mais ter a mesma inocência no olhar, afinal a morte fazia parte da vida. No dia em que ela morreu quebrei laços com Deus, chamei-lhe nomes feios e cuspi-lhe na cara, não sei se me deu a outra face, mas se o fez, voltei a cuspir-lhe.

Em 97 quando acordei do acidente que tive olhei para baixo e vi que tinha partido uma perna, olhei para o lado e vi que a minha amiga não tinha acordado, depois olhei para cima fechei os olhos e rezei. Rezei como nunca tinha rezado antes, pedi perdão pelos meus pecados e pelos dos outros, aceitei a pena pelos pecados da humanidade e continuei a rezar. Agradeci pelo facto de estar viva, ofendi-o pelo facto de me ter poupado e voltei a rezar para agradecer enquanto não sabia bem porque o teria feito, quando na realidade eu era tão imperfeita, e nem sabia se merecia o gesto. Ainda hoje não consegui fazer as pazes comigo mesma por ter sobrevivido inteira ao acidente.

Aos 33 anos a experiência dá-nos perante a morte uma clarividência diferente, quando a minha avó morreu não senti que me tivessem arrancando um membro, antes que parte de mim tinha morrido com ela. Senti que a minha infância e a minha adolescência estavam incompletas sem bisavó e avó, pessoas que fizeram de mim o que sou hoje, que me incutiram valores e objectivos, que me deram amor e carinho. Nesse dia porém mal disse a vida, caluniei Deus por mais uma vez me ter desiludido e roubado os que mais amo, mas ao mesmo tempo grata por ter poupado sofrimento desnecessário.

Agradeci-lhe o milagre da vida no dia em que nasceu o Alexandre, e nesse dia acreditei, acreditei que Ele existe nas mais pequenas coisas, na flor que me rasga de vermelho o mar de relva na primavera, nas nuvens negras que sugerem o renascimento da terra pela chuva, no sorriso do meu filho, nas lágrimas que choro de alegria por ter o meu marido do meu lado, pelo amor da minha mãe e pela incondicional adoração do meu avô.

7 comentários:

TM disse...

De tantas coisas que vi nos últimos anos, custa-me muito a acreditar na existência de um deus... O que não implique que não acredite no poder da esperança ou até mesmo na fé....
E depois, em alguns momentos, aqueles em que me sinto mais perdida, mas cansada e mais traída pela vida... nesses momentos invejo aqueles que conseguem acreditar...
Para ir vivendo digo que prefiro acreditar nos homens que em deus, porque pelo menos deles não espero a perfeição......

K disse...

Sabes o que costumo dizer? Que a existir "deus" é o amor que temos em nós para dar e partilhar, é a força interior, as energias positivas. Deus como entidade suprema criadora de todas as coisas, para mim e em mim, não é mais que uma invenção do homem e a não crença num deus nunca impedirá o deslumbramento pelos pequenos grandes milagres nem o agradecimento à vida pelo que nos dá. Mas isto sou eu.

Gata2000 disse...

TM - Só não tem dúvidas quem não pensa.
A fé e a vontade de acreditar que Deus existe é muitas vezes a única fonte de força que o homem tem.
E não é assim tão mau, acreditar que existe uma força superior que nos ampara, embora não possamos entregar a essa força, que nem sequer sabemos que existe o destino da nossa vida.
Para muitos acredito que é um conforto.

Gata2000 disse...

K - Para mim deus é a força da natureza que cria todas as coisas maravilhosas que existem à nossa volta, tudo o resto são "pecados" humanos.
Será mesmo possível apontar o dedo a deus (caso ele exista) por uma guerra, pela fome, pelo abandono...
Por outro lado, a ideia mais reconfortante - para mim - da existencia de deus, é a de poder imaginar que me reencontrarei com os que, embora já partidos, fazem parte de mim.

K disse...

Não sei apontar o dedo a deus nem pelas coisas más nem pelas coisas boas. Não sei rezar, embora provavelmente me lembre das rezas. Deus, da maneira que comummente nos é apresentado, não faz de todo sentido para mim e como tal não tem lugar em mim. No entanto não deixo de ter fé e de ser crente; na vida, no amor e, mesmo sabendo que poucas são de fiar, nas pessoas.

(ler vida e amor no sentido lato das palavras)

Gata2000 disse...

K - E isso é para mim ser crente. Ter fé, acreditar na vida, no amor e nas pessoas é algo muito maior do que acreditar num deus que foi criado pelo homem para explicar o inexplicável, que nos foi imposto por uma instituição caquética, podre e cheia de vícios como é a igreja. Deus é para mim tudo isso que referiste.

K disse...

Ainda bem que nos entendemos. ;]