terça-feira, 24 de março de 2009
Raízes que seguram a vida
A nossa vida é composta por histórias, as nossas e as de quem nos rodeia, são todas estas histórias que fazem de nós o que somos, uma amálgama de recordações, experiências, de desejos e medos, alegrias e tristezas.
É claro que o facto de ter tido na infância um pai alcoólico influencia a idade adulta, como por exemplo não conseguir beijar na boca alguém que me cheire a cerveja. Quem não tem na família próxima ou afastada histórias de vícios, seja álcool ou drogas. Um primo meu viu a filha recém nascida ir passar 1 mês na incubadora porque estava de ressaca – pai e mãe tinham consumido durante a concepção e gestação, esse foi o gatilho para ele mudar de vida. Um amigo meu dizia que compreendia dependências físicas, mas que não as outras, o pai era viciado em jogo, nunca o vi a jogar às cartas, e naquela altura jogava-se muito às cartas.
Mesmo as relações inter-pessoais são geridas com base em experiências, quem já não teve um grande amor que lhe partisse o coração para depois se fechar a jogos amorosos mais ou menos inocentes. Quem já não ouviu a história da amiga que se apaixonou e esteve prestes a largar tudo para depois ser trocada por outra pessoa, ou o amigo que depois de 4 anos de vida em comum descobriu que afinal na semana do casamento a noiva desistiu de tudo porque “ele não era o homem que lhe fazia tremer as pernas para o casamento”. Quantos de nós não se deixaram levar pelos braços de um desconhecido porque conhecemos histórias de corações partidos, ou até porque o nosso levou tanto tempo a colar s cacos.
Por outro lado temos a mudança, esse grande desconhecido que nos assusta tanto quanto nos absorve. A minha amiga acabou no desemprego porque decidiu que não ia viajar 3 dias na semana quando a filha dela tinha meses, recusou-se e foi despedida, passado menos de 1 anos estava num emprego muito mais calmo, sem necessidade de se ausentar, e a ganhar quase o dobro. Os meus avôs mudaram de pais na procura de um novo rumo, de uma nova vida, voltaram ao fim de 20 anos, nunca se acostumaram.
Algumas são histórias fantásticas pelas quais gostaríamos de passar outras são histórias de coragem que muitas vezes esquecemos que afinal fomos nós os actores principais, algumas histórias fazem-nos rir da falta de jeito dos nossos amigos, outras vezes choramos porque nos lembramos de histórias em que as pessoas que nos importam estiveram lá.
Este ano faço 20 anos de amizade com 2 amigas de liceu, juntas passámos pela morte de um pai, pelos amores e desamores de todas as 3 umas vezes mais brandas outras mais duras nas palavras de animo, quer chamando à razão quer dando mimo, passámos por 3 casamentos, por 3 filhos, pelas agruras e bênçãos que nos trazem maridos e crianças, passámos também por um divórcio – o dos meus pais e toda a lama que lhe veio agarrada. Ultrapassamos juntas a prisão de um irmão por tráfico de droga. Vivemos alturas em que não podíamos viver sem nos respirarmos, outras em que não nos podemos juntar porque sabemos que vão voar recriminações, acusações e tantas outras coisas feias.
Estabelecemos entre nós laços mais fortes do que os estabelecidos pelo sangue, eu não tenho irmãos e vejo nelas os seus substitutos, uma tem uma irmã que inveja a relação que temos, porque se vê relegada para segundo plano, a terceira tem dois irmãos ausentes por vontade ou imposição, acabando por ter em nós um apoio maior do que aquele encontrado nos irmãos.
Passados 20 anos, as nossas histórias cruzam-se de forma tão natural que por vezes as histórias de uma são as histórias de outra, como as raízes de uma arvore lutamos cada uma pelo seu lugar ao sol, sabendo que ao percorrendo esse caminho sozinhas acabaremos por nos entre ajudar no todo, porque quando as raízes encontram o lençol de água é a árvore que vive.
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20 comentários:
"a mudança, esse grande desconhecido que nos assusta tanto quanto nos absorve"
vero
a parte mais intrigante é a leitura que fazemos, ou nos ajudam a fazer, do real que vivemos: quantas vezes lemos as razões reais, os quês verdadeiros por detrás dos factos; ou de outra maneira: conseguimos ler as legendas do que nos acontece? esta e uma outra pergunta, também interessante: de que cor é o meu reflexo?
se eu sou o que sou pelo que vivo em interacção com os outros, diálogos, sorrisos, gestos, carinhos, tenho no outros/nos outros um reflexo de mim; até onde sou eu, até onde vai o meu reflexo, quanto do reflexo sou eu, quanto me dou eu ao reflexo? de que cor é o meu reflexo?
Obrigado!
Estava a precisar de ler algo assim!
Ás vezes deixamos de perceber o que é elementar...
Beijo.
num relance - acho que foi isso que tentei transmitir, somos aquilo que vemos nos outros ou o seu reversos, dependendo das nossas reacções às histórias que nos contam, que ouvimos, que vivemos. Somos por um lado as coisas boas que queremos viver porque alguém as viveu antes de nós, ou ainda somos o que não queremos viver por já o saber em outrém. E nesses caminhos que percorremos por vezes encontramos pessoas que nos dão as mãos para fazerem o camino ao nosso lado.
Vitor - Elementar, como a nossa amizade, que embora não seja - ainda - de 20 anos, nos dá a segurança suficiente para falarmos sem precisar de palavras, e sem silêncios incómodos, poque nos lemos nos olhos, nos gestos.
Obrigada, pelo caminho percorrido de mãos dadas.
e lá está
prontas para morrer de pé
e enraízadas!
respiro-te bem deste lado...
:)
Gostei.
Tankiu.
Cem - Quem foi que disse que as árvores querem-se de pé?
Respiras-me bem, sim! Tks
Me - Eu tb gosto de ti míuda!
Um belo testemunho !
Obrigado
Queres ser minha irmã ?
Um post de uma grande coragem e frontalidade mas que não deixa de ser uma história de vida, ou vidas, onde uma coisa ressalta e perdura: a amizade.
Quantos de nós não quereríamos ter uma amiga assim?
Eu, que não tenho irmãos, nos últimos tempos tenho sentido tanta falta.
Que a vossa àrvore continue viçosa e a dar frutos.
Beijinhos
Gata,
Gostei de te ler ;)
Toze - Why not?!
Blue - é sempre nas alturas em que estamos mais em baixo que descobrimos quem realmente nos dá valor, e as pessoas a quem nos podemos "pendurar" para que a tempestade passe.É nessas alturas que descobrimos os amigos.
Cristiana - Gostei que me lesses!
As histórias e relações fazem-nos o que somos.
As amarguras e as alegrias, essa amalgama a que chamamos vida.
São precisamente as pessoas que a vivem connosco que a fazem rica.
O maior tesouro...
Neste caso quase me atrevo a dizer que é a vida que vos segura as raízes. Em qualquer dos casos, um bom exemplo de como a amizade nos permite enfrentar os obstáculos da vida. Um beijo para ti.
Cris - Para mim o segredo da felicidade está em conseguirmos ter por perto os que mais amamos, amigos e familia.
Rafeiro - A minha cadela também faz parte dessas raízes, como tu deves fazer parte das raízes dos teus donos!!Miaus
gosto muito de ti
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