Não tenho bem presente o dia exacto em que me meti no avião rumo a Trondheim. Para mim ia ser mais uma aventura, desta vez com um propósito nunca antes imaginado.
Meses antes tinha decidido casar com um amigo meu, norueguês com quem tinha feito uma viagem maravilhosa pela Itália, e acabado por ficar confundida pelo romantismo de Roma, ferida no orgulho de um namoro que tinha terminado havia quase 2 anos e que ainda assim remexia todos os dias na minha memória, quer por via dos meus pensamentos, quer por via dos telefonemas e das mensagens que ele me continuava a mandar, sabedor do grande poder que exercia ainda sobre mim.
Decidi que Lisboa, Portugal era demasiado pequena para ambos, eu e ele haveríamos de nos cruzar um dia, e eu sabia que ia voltar a cair-lhe nos braços, na cantiga, no cheiro, um cheiro que ainda hoje recordo – curioso.
Assim, ia mudar-me para a terra dos fiordes, e não ia ficar sozinha e apagada à espera que ele um dia decidisse aquilo que eu sabia no meu íntimo, que afinal era eu o grande amor da sua vida.
Fui encontrar-me com o noivo, uma pessoa que conheci pessoalmente em Tavira no longínquo ano de 1992, no barco que cruza para a ilha, como se cruzaram os meus olhos com os do amigo dele.
O Thomas tinha os olhos mais profundos e límpidos que algum dia tinha visto, não demorou até que nos apaixonássemos nesse verão inesquecível, foi a minha primeira grande paixão de verão, escrevemos longas cartas de amor durante cerca de 2 anos, houve viagens marcadas que se goraram, ele chegou a vir ver-me de propósito mas na ânsia de fazer-me uma surpresa esqueceu-se de me avisar para não sair de Lisboa, ele esteve, eu não. As nossas vidas não voltaram a cruzar-se, mas a minha amizade com o amigo dele sim.
O Roar esteve em Portugal cerca de 4 vezes, eu visitei-o em Itália, e depois fui conhecer os pais dele a Trondheim.
Não posso dizer que era a altura mais feliz da minha vida, mas estava serena, sabia exactamente o que queria, e sabia que não queria ficar em Portugal, ele era a minha chance de tentar ser feliz noutro lugar. E fui feliz noutro lugar, visitei a cidade, vi fiordes, vi glaciares, vi pessoas novas, mentalidades diferentes, ri, chorei quando o amor da minha vida me continuava a mandar mensagens sobre como seria diferente se eu voltasse.
No dia em que voltei, estava confiante do passo que ia dar, os meus pais foram buscar-me ao aeroporto, almoçamos em casa dos meus avós e fomos para casa. O meu pai subiu as escadas, pousou na entrada da porta a minha mala de viagem e disse:
- “Vou sair de casa, aluguei um lugar só para mim. “
Foi a ultima vez que vi o meu pai como … pai. A partir desse dia a minha vida mudou, vi o meu pai pela primeira vez, sem a máscara de super herói com que sempre o vesti. Hoje, eu e o meu pai não nos falamos tanta foi a água que passou debaixo da ponte. Não casei com o Roar, não voltei a Trondheim, e nunca mais consegui confiar em ninguém.
Ainda hoje sempre que a vida me dá algo bom, desconfio. Sei que por dentro de uma caixa engalanada pode muito bem estar um presente envenenado.
7 comentários:
Li tudo o que escreveste e fiquei a pensar naquela coisa a que chamam perdão...
Porque sei perfeitamente que a mágoa que alguém nos deixa pode ser tanta que nunca esqueceremos a dor....
Mas não podemos esquecer a esperança...
TM - Conheço bem essa coisa a que chamam perdão, até porque não sou pessoa de guardar rancores, embora por vezes tenha até bastantes razões para fazê-lo, mas não está em mim.
Se hoje não falo com o meu pai, não foi por falta de tentativas da minha parte - apesar de tudo o que aconteceu. Se ele não conhece o neto, não é porque eu o tenha escondido ou por não o ter até convidado para ir a minha casa vê-lo.
Eu tenho esperança, e às vezes até um pouco de inocência e ingenuidade, mas aqueles que me são próximos sabem quem têm de me provar todos os dias que posso confiar neles, o que nem sempre acontece!
As pessoas desiludem-nos, todas sem excepção, por vezes as desilusões são ultrapassáveis, outras intransponíveis.
Ainda assim, continuo a gostar de pessoas e a tê-las em grande conta, mas sempre na defensiva.
É claro que o tempo nos vai moldado e que as guardas estão mais relaxadas passados cerca de 10 anos, mas nem por isso de braços caídos, quase sempre em posição de ataque.
Gata2000,
eu ainda tento dar o benefício da dúvida e até consigo...mas as defesas...como te entendo.
Abracinho e olha que eu nem sou muito de abraços
ehehehhehe
É triste que penses assim. Essas experiências, mesmo que negativas, contribuíram muito para a pessoa que hoje és. Se te faltassem os dissabores e as amarguras, faltar-te-iam as tuas bases, pois que as coisas "más", também são pilares fortes que nos aguentam em outras alturas mais escuras e, são também, aquele pedaço de nós que sabe quando está de cabeça ao alto,o valor real de cada momento. Insondáveis são os caminhos da vida. Da natureza. De Deus. Mas o que vivemos será sempre nosso, e daí podemos retirar o que queremos, para ir decorando esses caminhos.
Bela a tua história. E não interessa se é triste ou se é alegre. É bela.
Quanto ao perdão aqui referido. Não perdoes pelo outro. Perdoa por ti. O perdão é chave que fecha a porta deixada aberta pela ferida interior.
Dassss....que ando poético.Eu também podia ser filosofo, mas sou apenas um trolha da vida. Vou erguendo pilares e paredes...
WAI - Abracinho para ti também boneca.
Samuel - Obrigada. Foi poetico sim!
Que história!
É, as pessoas desiludem-nos mas a culpa é muitas vezes nossa porque criamos expectativas que são nossas e não delas.
Há que tentar entender o que leva os outros a tomarem decisões que nos desiludem. Por vezes são coisas compreensiveis, que talvez fizessemos também, naquele momento.
Nem tudo é imperdoável.
Também deves ter os teus erros, as tuas decisões menos boas (e más mesmo). Mas deves gostar que te perdoem, não?
Enfim, cada caso é um caso...
Beijinho
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